Com o período legislativo começando para valer, as próximas semanas nos permitem articular uma série de previsões sobre as dinâmicas na política brasileira durante o primeiro ano do governo Lula. As primeiras votações importantes darão uma noção mais clara do tamanho da base do governo, com importantes implicações para os debates sobre o arcabouço fiscal, a reforma tributária e outras. Chama a atenção o fato de que, apesar das tensões entre o Planalto e o Banco Central (que analisei em coluna para o Brazilian Report no mês passado) e os frequentes embates entre o Ministro da Fazenda e a presidente do PT (que descrevo aqui), investidores internacionais continuam olhando para o Brasil com bons olhos (apesar da saída crescente de capital externo em fevereiro). De fato, nunca vivenciei, ao longo da última década, tanto interesse no mercado brasileiro por investidores de fora como hoje. Mantém-se uma diferença notável entre a percepção externa do Brasil – geralmente mais otimista – e a visão interna, um pouco mais pessimista.
Mas, como sempre, é impossível analisarmos o cenário político e econômico doméstico sem levar em consideração as principais tendências geopolíticas, que têm profundo impacto na economia e política nacionais.
Avanços importantes na área de Big Data nos permitem desenvolver modelos quantitativos cada vez mais sofisticados para identificar correlações entre desdobramentos geopolíticos e econômicos e assim articular previsões e identificar possíveis riscos para setores e empresas específicas com mais confiança. Ao longo dos próximos meses, pretendo compartilhar por aqui uma série de análises sobre os principais riscos e tendências geopolíticas da atualidade.
Neste momento, gostaria de destacar cinco questões globais que merecem atenção.
Em primeiro lugar – para a surpresa de ninguém –, a guerra na Ucrânia veio para ficar, com probabilidade reduzida de algum cessar-fogo ou acordo de paz ao longo de 2023. Como escrevi em coluna recente no Estadão, só uma vitória do trumpismo nas eleições americanas em novembro de 2024 levariam os EUA a reduzirem seu apoio militar à Ucrânia. Ao mesmo tempo, o governo russo não tem incentivos para retirar suas tropas neste momento. A continuação da guerra faz com que o risco de uma crise energética na Europa se mantenha elevado. O acordo entre Moscou e Kiev de exportação de grãos ucranianos foi prorrogado recentemente, mas ele pode vir a fracassar, passo que elevaria a volatilidade dos preços globais de alimentos. Enquanto isso, a Ucrânia continua sonhando com a adesão à União Europeia, tema que abordei em coluna no mês passado.
Em segundo, a piora na relação diplomática e política entre os EUA e a China parece de fato irreversível, com amplas consequências de médio e longo prazos. A frequência de fricções – como visto durante o episódio dos balões de espionagem – aumentará, em parte porque há menos espaço político de ambos os lados para resolver os problemas de forma rápida. O Brasil, como escrevi em artigo na revista Piauí no ano passado, está relativamente bem posicionado para lidar com a situação, mas dificilmente poderá se blindar por completo. O novo cenário criará turbulência geopolítica ao longo dos próximos anos, mas também representa uma grande oportunidade, já que empresas ocidentais cada vez mais buscam investir em países de baixo risco político. O México e o Vietnã têm sido, até agora, grandes beneficiados.
Em terceiro, a recente derrota do governo colombiano no Congresso – o presidente Gustavo Petro pediu para retirar seu projeto de reforma política no último momento – é reflexo da grande dificuldade de presidentes novatos em toda a América Latina para aprovar reformas. Os eventos da última semana em Bogotá sugerem que Petro dificilmente conseguirá aprovar as outras reformas que prometeu como candidato, inclusive a da previdência e a trabalhista. Outros presidentes, como Gabriel Boric, que acaba de sofrer uma fragorosa derrota ao não conseguir aprovar sua reforma tributária, enfrentarão sérias dificuldades. O fenômeno é parte de uma crise de governabilidade que afeta vários países na América Latina, onde o sentimento anti-establishment ainda é forte, e governos sofrem com taxas relativamente baixas de aprovação.
Em quarto, a recente mediação chinesa na crise bilateral entre a Arábia Saudita e o Irã reflete uma mudança geopolítica mais ampla no Oriente Médio. Os EUA estão reduzindo sua presença política e militar na região para dedicar mais recursos à contenção da China na Ásia. Pequim busca preencher o crescente vácuo de poder que Washington está deixando no Oriente Médio, mas seria um erro acreditar que a China possa ou queira, de repente, aumentar suas responsabilidades geopolíticas — em comparação com os muitos outros conflitos no mundo, a crise entre Riyadh e Teerã foi relativamente branda. A chance de Pequim assumir papel de destaque em possíveis negociações de paz na Ucrânia é reduzida.
Por fim, a atual onda de manifestações na França é sinal de um sistema político cada vez menos funcional. Mais do que serem contra Macron ou a elevação da idade da aposentadoria de 62 para 64 anos, os protestos são reflexo de um cansaço generalizado da população com a Quinta República, cuja constituição concentra imenso poder na presidência e deixa o parlamento debilitado. A raiva contra a elite política de Paris aumenta o risco da vitória de uma liderança radical (de esquerda ou de direita) em 2027, e Macron pode ter dificuldades de aprovar leis relevantes ao longo dos próximos meses ou mesmo anos. Isso, paradoxalmente, pode aumentar o ativismo diplomático francês: se tudo estiver paralisado no âmbito doméstico, Macron dedicará mais tempo a projetos no exterior. Ou seja, por enquanto, o impacto da crise política francesa para a União Europeia é limitado.
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Um abraço,
Oliver
Ótimo texto, conciso! Grandes movimentações acontecendo.